terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Dark Pages - Ana, Parte V

Imagem: Giovanni Zanelato


Lutando contra a vontade de gritar, Ana tampou a boca com a mão e correu de volta para o salão. A mesa de presentes ainda estava cheia e a luz da porta da sala onde estavam os homens ainda estava acesa, porém Ana não conseguia ouvir mais nenhum som de musica vindo de lá.
Tentando não se sentir culpada por simplesmente abandonar os outros convidados, correu para as grandes portas que davam para a varanda. Tentou empurrar para abrir, mas nada. Eram portas realmente pesadas e ela jamais conseguiria abri-las à força. Ana considerou que continuar tentando apenas chamaria a atenção com o barulho.
Olhou para o salão, ao fundo havia a escada de mármore, embaixo a porta que dava para a sala onde os homens deveriam estar, à esquerda estava apenas uma parede e uma porta que Ana abriu com esperança, mas era apenas um armário, à direita estavam as mesas de presentes e buffet e a entrada do corredor com a sala onde estavam os corpos das mulheres.
Com medo, voltou para o corredor, tentou não encarar a bizarra cena com as cabeças sangrentas na porta à sua esquerda e seguiu em frente. Encontrou um banheiro, um armário de cristais e uma pequena cozinha. Não tinha mais nada ali.
À beira das lágrimas, voltou para o salão. Dessa vez ouviu vozes, ao chegar ao começo do corredor, pode ver os garçons da festa entrando na sala que ficava perto da escada, depois de alguns segundos o primeiro garçom saiu acompanhado de uma das stripers carregando um grande saco de lixo. Ela não poderia voltar para o salão.
– Pedro, onde está a sua mãe? – Ana conseguiu distinguir a voz de Thomas, sem pensar correu de volta para o fundo do corredor e engatinhou entre os corpos sem cabeça. Jamais a procurariam ali!
Escondida pôde ver pequenos pés pararem em frente à sala, seguidos pelos sapatos lustrosos de um adulto.
– Mãe! – Ana não pode ouvir mais nada, seus ouvidos voltaram a zunir e a gravidade parecia estar atuando a todo o vapor sobre sua cabeça.
Ana acordou quando algo caiu em sua cabeça, no escuro parecia uma bola, mas ao pegar percebeu que tinha uma longa cabeleira. Levantou-se e levou alguns segundos até perceber que havia na sala vários cadáveres de mulheres. Seus ouvidos ainda zumbiam, mas ela conseguia agora ficar em pé, conseguia pensar e até percebeu que estava coberta por algum líquido com cheiro forte e levemente viscoso.
A lâmina que decepara as mães de seus alunos fora recolhida para dentro das paredes, o que a acordara fora uma das várias cabeças que caíram. Com cuidado saiu pela porta, o corredor estava vazio e silencioso. Fechou a porta e estava quase chegando ao salão quando ouviu um crepitar vindo do cômodo com os cadáveres, alguém ateara fogo nos corpos.
Ela não conseguiu se controlar e simplesmente expeliu seu almoço e o pouco champanhe que consumira.
O salão estava vazio e a porta principal estava aberta. Ana saiu para a varanda. Não encontrou nenhum carro por perto, resolveu caminhar e pular os muros da propriedade, mas antes que terminasse os degraus da varanda começou a ouvir vozes, rapidamente agachou-se ao lado da varanda. Pôde ouvir passos, que pararam perto da escada, mas seus ouvidos começaram a zunir novamente e alguém a puxou pelos cabelos e a jogou na sacada, bem aos pés de Thomas.
– Mas você é esperta, não? – Thomas se ajoelhou. – Eu vi o que você fez a Elisabete, acha mesmo que vai se livrar dessa?
Ana não conseguia falar, estava morrendo de medo, levantou a cabeça e encarou o homem. Percebeu que ele estava com manchas de sangue por toda a roupa.
– Vem comigo! – Ana não pôde reagir, um dos capangas uniformizados a colocou de pé e a empurrou seguindo Thomas até a casa, contornando a varanda.
Ana foi guiada para dentro da casa, após um belíssimo hall de entrada, Thomas entrou em uma sala e de lá desceu para o que parecia ser o porão, lá estava Pedro, ajoelhado em frente a uma grande caixa de plástico. Ao se aproximar, Ana reconheceu o rosto de uma das crianças da escola.
– Seus bastardos, o que estão fazendo? – Ana correu para a caixa, mas recuou ao ver que a criança estava com o abdômem aberto. Pedro estava com as mãozinhas sujas de sangue. – Pedro! O que você fez?
– Ele não estava bom! – Pedro a encarou. – Eu não podia mais usar ele!
– Usar? – Ana se ajoelhou diante a caixa. – O que ele está falando? O que vocês fizeram com ele?
– Pedro é um menino especial – Thomas se ajoelhou ao lado dela sorrindo e agarrou-lhe os cabelos – Tenha a delicadeza de me acompanhar.
Quando Thomas a tocou, o zumbido no ouvido se tornou muito forte, ela não ouvia mais nada, apesar de ver os lábios do homem se movendo.
Tudo estava no mais profundo silêncio, Ana viu que Pedro apontava para uma porta à esquerda, Thomas a colocou de pé e a guiou até aquela sala.
Lá dentro havia várias crianças, de várias idades. Aquilo parecia um quarto de um orfanato. Quando Thomas a soltou, seus ouvidos voltaram ao normal.
– Os homens da minha família têm uma característica muito peculiar – Thomas cruzou os braços e se pôs em frente à Ana. – Nós não precisamos envelhecer! Somos imortais, se seguirmos algumas recomendações que, de certa forma, podem ser consideradas médicas – ele concluiu pensativo.
- Sequestro e assassinato são recomendações médicas? – Ana não conseguiu conter-se, as crianças no quarto estavam dormindo, mas pareciam pálidas e algumas estavam muito magras.
– Nós não somos assassinos, somos predadores! – Thomas se dirigiu até a criança mais próxima. – Pedro não se alimenta de carne ainda, mas ele consegue sugar toda a temperatura do corpo deles, assim que ele se tornar um adulto, teremos que adquirir mais carne.
– Mas que diabos vocês estão falando? – Ana se virou para a porta, mas um garçom demasiadamente musculoso para a função estava bloqueando o caminho.
– É simples! Nós nascemos, sugamos a temperatura dos outros até podermos gerar nossa própria energia e vivemos normalmente no meio das pessoas, jovens e viris. A sociedade não precisa saber da nossa existência!
-Então... – Ana encarou o menino. Por isso que aquelas crianças desmaiaram... A tinta amarela que ela encontrara na garotinha era a mesma que Pedro usara na aula naquele dia. – Isto está errado, Pedro! – o menino simplesmente deu de ombros. – E quando vocês vão me matar? – a possibilidade de ser assassinada, servir de lanchinho para alguém ou ser queimada, era assustadora.
– Senhorita Ana, você não será morta! – Pedro sorria docemente e segurava suas mãos trêmulas. – Mamãe não conseguia ficar ao meu lado, mas você é bem saudável – Ana ficou enojada ao sentir o aperto de mão grudento devido ao sangue que estava coagulando nas mãos do garoto. – Decidimos ficar com você!
– Elisabete já estava esgotada! E você é bem esperta, além de saudável! – Thomas sorriu quando ela começou a chorar. – Não se preocupe, Elisabete também tinha medo, mas quando Pedro nasceu ela ficou mais calma.
Ana tentou correr para a porta, porém um dos capangas a agarrou, Pedro veio em seguida e ficou segurando suas mãos. Ela começou a sentir-se quente, estranhamente quente. Seus olhos pareciam pesados, sua cabeça parecia estar tão leve quanto um balão cheio de gás... A última coisa que sentiu antes de tudo escurecer foram as pontas dos dedos formigando.

A vida no campo era muito mais tranquila, e ela não se arrependia de ter abdicado do conforto da cidade grande há cinco anos.
Diferente da maioria das pessoas, depois de um dia longo no trabalho, bastava se sentar na varanda com uma enorme caneca de café e aproveitar a paisagem ao lado do marido, que ela sentia-se revitalizada.
Ana estava manobrando o carro para dentro da garagem quando percebeu que o outro carro não estava lá. Estacionou normalmente e encontrou o bilhete preso ao portão:
"Amor, hoje chegarei tarde! Poderia servir o jantar para as crianças?
Beijos, te amo!"
E, com um sorriso radiante nos lábios, ela se dirigiu ao galinheiro.
-Okay, meninas, é hora do jantar!
Ana sorriu para as duas lindas garotinhas loiras de bochechas rosadas e para a mãe delas, que no dia anterior viera pedir uma xícara de açúcar emprestada. A mãe estava totalmente desfigurada, ela passara tanta maquiagem que após horas chorando seu rosto parecia uma estampa de camiseta hippie, já as garotinhas nem mesmo acorrentadas deixavam de ser tão adoráveis!
Ana gentilmente empurrou as menininhas para fora do galinheiro, deixando lá a mãe desesperada, tocou o sino que seu marido instalara semana passada.
De dentro da casa vieram os meninos. Na frente, todo empolgado, vinha o caçula, seguido pelo adolescente emburrado.
Ana pegou um machado dentro do celeiro e voltou no instante em que seu filho caçula cumprimentava as garotinhas. Abraçou o menino e o deixou brincando com uma das meninas.
Estava perdida em pensamentos quando ouviu o grito da outra garota.
- Pedro! - O menino apenas deu de ombros e mordeu uma segunda vez a barriga da garotinha antes de limpar a boca com as costas da mão e pegar o machado que a madrasta lhe estendia.
E, assim terminava mais um dia em família na vida de Ana, acenando para o marido, Thomas, que descera do carro para abrir os portões da propriedade e feliz ao ver seus filhos comendo com tanto gosto.
E Ana ainda se perguntava por que ela preferira a área rural... Oras, onde mais ela poderia ter esse jantar em família?



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