sábado, 30 de julho de 2011

Crônicas dos Intocáveis, Parte 3


Dentro de uma sociedade todo o sistema demanda um líder, que oriente a população. No reino, o rei nem sempre alcança todo o território de seus domínios, há regiões mais distantes em que de fato o rei não chega. Nesses locais é eleito um representante paralelo que auxiliaria a população. Esse líder pode ser eleito considerando a preferencia da população ou simplesmente o líder se impõe sobre as pessoas e simplesmente se mantêm no poder porque ninguém consegue tirar ele de lá.

No reino em questão havia um vale que o rei apenas visitou uma única vez, sempre que as pessoas do local precisavam de algo era necessário fazer uma viagem de dois dias a cavalo para chegar à estrutura mais urbanizada do reino, onde havia o comercio e o castelo, o polo político. Com a dificuldade de acesso à educação, saúde, política, comercio, a população do vale se tornou menor conforme o reino se desenvolveu e essa população elegeu um líder, no caso um jovem que nasceu com poderes mágicos e que a família nunca deixou o local.

Como todos os pais de magos, os desse jovem não diziam o nome do garoto, ele era conhecido como Mago dos Lobos.

Esse mago se tornou um jovem e não queria mais ficar preso àquele vale, ele queria ir para a universidade, queria passear nas feiras, queria visitar as bibliotecas, ver os jardins do castelo, assistir às peças de teatro ao ar livre, enfim, queria ter uma vida comum, como um jovem normal teria. Mas as pessoas daquele local contavam com ele e seus pais jamais iriam deixar que o filho fugisse de suas responsabilidades.

Um dia, o Mago dos Lobos estava em sua casa, seus pais o autorizaram a visitar a cidade e ele estava se preparando para a viagem quando ouviu vozes vindas da entrada da casa, deu a volta no quintal e pôde compreender o que diziam.

- Nós dependemos dele, precisamos de alguém cuidando de nossas plantações, de nossas crianças! Não podemos ficar duas semanas sem a proteção de um mago!

- Não seja exagerada, ele nunca precisou usar os poderes para nos ajudar, ele é um garoto comum, será que você não percebe que antes de ser nosso representante ele é meu filho e que apenas eu e minha esposa podemos decidir o que ele pode ou não fazer?

Como toda a criança acostumada a escutar a conversa dos outros por detrás da porta, nosso amigo voltou para o fundo do quintal, onde seu cavalo estava mastigando um dos lençóis que sua mãe deixara secando.

O jovem Mago estava dividido entre o orgulho de ver os pais defendendo sua vontade e o ódio por aqueles que o tratavam como um escravo, mas mesmo assim, quando o sol se pôs ele tomou seu caminho para o centro comercial do reino.

Quando sua vida inteira se resume a cuidar dos outros, um pouco de liberdade pode ser extasiante. O jovem mago sentiu-se mais leve depois que as montanhas encobriram as luzes das casas da vila e o resto da viagem pareceu ser mais tranquilo.

Uma vez no castelo, como todos os magos devem fazer ao menos uma vez por ano, o jovem se apresentou ao rei e foi recebido junto com outros magos com um banquete além de um aposento confortável e uma vaga no estábulo para seu cavalo.

Assim, duas semanas se passaram, o jovem foi a duas feiras, viu os teatros ao ar livre, que nem eram tão bons quanto pareciam, foi à biblioteca, comprou algumas sementes que o pai pedira e à tarde rumou para a casa. Antes de completar a viagem, já notou que algo estava diferente, aparentemente estavam queimando algo, havia um pouco de fumaça que levantava dentre as montanhas.

A verdade apenas apareceu quando o rapaz chegou ao centro do vilarejo, alguém morrera e queimaram o corpo, como ele mesmo orientara, para evitar doenças.

Já em casa, o jovem encontrou uma das moças que auxiliavam sua mãe na cozinha preparando um jantar.

- Boa noite, senhor.- a jovem abaixou a cabeça antes de prosseguir – me encarregaram de informa-lo das noticias.

- O que houve? Onde estão meus pais?

-Dois dias depois que o senhor partiu a aldeia foi atacada por ladrões, para quem conseguiu trancar-se em casa não houve grande dano, mas as casas mais próximas da entrada do vale foram atacadas de surpresa.

-E os meus pais?

- Houve uma luta, mas nem todos... - O jovem segurou o a jovem pelo pescoço e a levantou do chão, assustada e sem ar ela apenas murmurou – foram mortos, senhor...

O mago colocou a jovem no chão com cuidado.

- Diga-me, quem é seu marido?

- meu....

- Sim, seu marido, criança, quem é?

-Sou casada com o ferreiro.

- Por gentileza, convoque uma reunião urgente, quero todos na praça o mais rápido possível, pode usar meu cavalo. Não vou dormir hoje sem saber o que aconteceu.

Dentro de alguns minutos a população começou a se aglomerar, e aos poucos as pessoas começaram a falar.

Aparentemente a vila começou a ser atacada ao final da tarde, quem morava perto da floreta não teve escapatória.  Com o barulho que vinham das casas e as vozes de pessoas gritando.

Um senhor falou que apenas encontrou o corpo do neto embaixo da cama quando fora verificar a casa do filho, os saqueadores cravaram uma espada que atravessou o móvel e a criança, que morrera depois de ver a morte dos pais.

Ninguém fora na casa do jovem mago, todos tinham algum relato triste de amigos e familiares que morreram, mas as pessoas pareciam estar tão imersas em sua própria dor que nem lembravam que o mago também perdera os pais.

E, no meio daquelas pessoas extremamente egoístas que não eram capazes de oferecer uma palavra de carinho, o jovem percebeu que de nada valeram os anos em que ele abdicara de suas vontades pensando num bem coletivo, e que agora ele não possuía nenhum laço com aquelas pessoas, e que a vida no centro comercial ainda era mais atraente que a pequena vila. Talvez...

-Eu vou para a universidade!

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